Efeitos de bebidas esportivas são questionados em artigos científicos
5 de setembro de 2012
Uma série de artigos publicada na revista científica “British Medical Journal” questiona a necessidade de ingerir bebidas como Gatorade e Powerade durante exercícios físicos. A bomba dividiu especialistas e causou reações na indústria. Com o título “The Truth About Sports Drinks” (a verdade sobre bebidas esportivas), um dos textos afirma que “a ciência da hidratação” é uma criação da indústria e que as principais pesquisas que embasaram o consumo de isotônicos nas últimas décadas foram pagas pelas próprias fabricantes. “As pessoas são bombardeadas com mensagens sobre o que deveriam beber durante o exercício. Mas esses dogmas são novos”, diz o artigo, escrito pela editora de pesquisas da revista, Deborah Cohen, médica. “A indústria patrocinou cientistas, que aconselharam organizações esportivas, que elaboraram diretrizes […] e espalharam os perigos da desidratação”, continua o texto. O “British Medical Journal” analisou 170 pesquisas durante quatro meses. “Não são estudos de boa qualidade. Quando a pesquisa é financiada, é preciso estar ciente de que resultados negativos não são publicados”, disse Cohen à Folha. Em resposta, a Associação Americana de Bebidas divulgou um comunicado argumentando que o patrocínio não invalida o mérito científico dos estudos. Já o Colégio Americano de Medicina do Esporte, que tem diretrizes de hidratação seguidas pelo mundo todo, afirmou que vai analisar melhor as provas científicas no futuro. Bebidas isotônicas são feitas de água, sais minerais e carboidratos. Criadas na década de 1960, puxam um mercado mundial que só cresce. O Brasil bebeu 75,4 mil litros desses produtos em 2011: um crescimento de 29% em relação a 2009 e de 9% em relação a 2010, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas. SEM DIFERENÇA Há pouco consenso na “ciência da hidratação”. Uma parte dos especialistas diz que as bebidas esportivas são absorvidas mais rapidamente do que a água pelo organismo –graças à fórmula que mescla carboidratos e minerais imitando as concentrações presentes no sangue. Para outra parte, não há diferença ou é até pior.”A absorção demora quase a mesma coisa”, diz Mirtes Stancanelli, nutricionista do esporte e pesquisadora da Unicamp. Para Debora Cohen, isso “não faz muita diferença”. Numa coisa todos concordam: o consumo de isotônico é indicado durante a prática esportiva ou depois –não a qualquer hora e a qualquer um. “Não substitui a água”, afirma Heloisa Guarita, presidente da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva. A bebida tem a metade das calorias de um refrigerante e quantidades significativas de sódio. Por isso, deve ser evitada por quem tem hipertensão, segundo Arnaldo José Hernandez, chefe do grupo de medicina do esporte do Hospital das Clínicas de SP. Durante a atividade física, o isotônico pode ser bom se houver perda de minerais por meio do suor ou se for preciso repor carboidratos. Aí é fonte de energia e pode melhorar o desempenho. Mas muitos dizem que, na maioria dos casos, água e alimentação certa dão conta. “Às vezes é necessário, como em provas de ‘iron man’ que duram horas”, diz Jomar Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. Mas, para a academia de todo dia, não. “O consumo é indicado a partir de uma hora de exercício com sudorese intensa.” Para o educador físico João Bouzas Marins, professor da Universidade Federal de Viçosa, a ideia de repor minerais perdidos no suor é exagero. “Consumimos muito sódio na dieta. A probabilidade de dar problema por falta de sódio é mínima.” Mas Marins reconhece que o carboidrato presente na bebida é útil para dar energia a partir de uma hora de exercício. “Em atividades longas existe risco de hipoglicemia.” QUANTO BEBER A falta de consenso científico atinge também a ingestão de água durante a atividade física. “Há risco de desidratação, mas também há risco de hiper-hidratação, quando há a diluição exagerada dos minerais do corpo”, diz Souza. Por conta disso, alguns defendem a ingestão do líquido apenas quando se está com sede. “Se não há sede, não há necessidade de beber. Não parece lógico para um sistema testado exaustivamente na natureza?”, questiona Luiz Oswaldo Rodrigues, fisiologista do esporte da Universidade Federal de Minas Gerais. Já os adeptos da hidratação preventiva argumentam que a sede é indício de desidratação, ainda que leve. “Perdemos água o tempo todo e não temos um reservatório. Isso é potencializado no exercício. É importante se hidratar antes da sede”, defende Heloisa Guarita. A recomendação da nutricionista é beber até 250 ml 20 minutos antes da atividade física e, em média, 250 ml a cada 20 minutos de prática. Já para Turíbio Leite de Barros, fisiologista do exercício da Unifesp, o ideal é ingerir o que é perdido. Isso pode ser calculado se o praticante se pesar antes e depois do exercício. “A taxa de sudorese varia muito de pessoa para pessoa. Se ela perde, em média, um quilo, pode dividir a ingestão de um litro de água durante a prática do exercício.” Fonte: Folha de S. Paulo